16.11.07

Apontamento sobre a acção - Filosofia 10º ano

Este apontamento contém alguns aspectos não contemplados no manual. Porém, ao contrário do anterior, ainda não tem indicações para o estudo no manual. Espero ter oportunidade de fazer uma actualização no fim de semana. Já agora, o apontamento tem também alguma utilidade para os alunos de Área de Integração. Carreguem a partir de:
Desculpem o erro anterior, enviei mal a nova entrada.

31.10.07

Área de Integração - Complemento à unidade relativa à ética

Juízos de facto e juízos de valor

Esta distinção surgiu no início do séc. XX, no âmbito da sociologia positivista, para afastar da ciência toda a consideração dos juízos de valor. A distinção continuou, no entanto, a ser usada muito depois das pretensões positivistas se terem tornado obsoletas e independentemente das mesmas.
Um juízo de facto é um juízo que caracteriza ou descreve um objecto ou que relata uma ocorrência. É um juízo objectivo, no sentido de pretender transmitir o que é o objecto em causa. É um juízo verificável, visto ser, em princípio, possível compará-lo com a realidade, verificando se é verdadeiro ou falso.
“Esta mesa é verde” – é um juízo de facto mesmo que a mesa seja amarela, visto estar apenas a caracterizar a mesa, sendo susceptível de ser verificado pela experiência. “Nesta jogada, houve um fora de jogo não assinalado” – é um juízo de facto porque relata uma ocorrência. Repare-se que, neste último caso, embora seja verificável, isso não acaba necessariamente com as discussões interpretativas porque basta uma diferente disposição das câmaras de filmar para já se considerar de uma forma diferente o lance. Não se confunda, pois, verificável com certo, embora exista aqui, certamente, um maior grau de certeza possível que nos juízos de valor.
Um juízo de valor é um juízo apreciativo que diz mais acerca de como o sujeito é afectado pelo objecto, do que sobre o próprio objecto. Daí que seja considerado um juízo subjectivo, opinativo, de natureza afectiva e emocional, sem possibilidade de qualquer verificação.
“A Anabela é bela” – é um juízo de valor visto a beleza não ser nenhuma característica do objecto, nem adiantar nada para o conhecimento do objecto. O juízo expressa o gosto de quem profere o juízo, a forma como ele é afectado pelo objecto, e não o próprio objecto. Um outro pode considerar a Anabela feia e não há forma de verificar qual tem razão, pois a beleza ou a fealdade não são características do objecto como seriam “loura”, “alta”, “gorda” ou “rapariga”. Repare-se, porém, que um juízo de valor não tem que enunciar um valor de forma explícita: “o Jaime é pior que cuspir na sopa” – é também um juízo de valor pois, igualmente, não nos está a transmitir qualquer característica do Jaime, muito embora não nomeie nenhum valor. Veja-se, no entanto, que o sujeito que profere o juízo deverá ter um valor em mente, como, por exemplo, a maldade, que está na base da apreciação que faz. Sempre que um juízo seja apreciativo ou depreciativo, utilize os termos que utilizar, mesmo que não expressem directamente valores, é um juízo de valor.

Os valores

Os valores que nos importam na medida em que são susceptíveis de orientar a conduta humana, são aqueles que possuem um significado ideal. Os valores matemáticos, financeiros, comerciais, ou ainda as coisas a que atribuímos valor afectivo, nada têm a ver com o sentido da palavra “valor” que aqui nos interessa. Os valores são ideais no sentido em que expressam aquilo que se julga que “deveria ser” ou que se “deveria fazer” ou que se ”deveria atingir”, embora como um horizonte abstracto que nunca se pode considerar plenamente realizado. Não se deve confundir ideais com metas concretas. A riqueza é um ideal, possuir a Microsoft é uma meta concreta que até pode contribuir para realizar o ideal, mas que não o esgota. Quem se orienta pelo valor da riqueza pode querer sempre mais como o Tio Patinhas.
Outra característica dos valores é a sua polaridade. Os valores podem ser positivos ou negativos, podendo-se sempre que um valor é apresentado, ver qual é o seu polo oposto. Porém, nem sempre os valores que são considerados positivos por uma cultura ou uma pessoa, são positivos para outra. Por exemplo, a cultura aristocrática romana nunca consideraria a humildade um valor positivo, ao passo que a cultura cristã não só considera a humildade positiva, mas também como um dos seus valores mais altos. Um valor negativo não deixa de ser um ideal, visto ser também um horizonte abstracto que orienta a acção. A nossa acção não é só orientada por aquilo que procuramos alcançar, mas também por aquilo de que nos procuramos afastar, aquilo que nos repugna, de que temos medo ou que desaprovamos.
Os valores ordenam-se, sempre, seja numa doutrina, seja numa sociedade, seja num grupo social, seja num indivíduo, segundo uma hierarquia. Nem sempre essa hierarquia é clara para quem a segue. Muitas vezes aquela que até é declarada, não é a que verdadeiramente é seguida. Uma pessoa pode julgar que o seu valor máximo é a amizade, mas se o amigo põe em causa a sobrevivência, a integridade física ou até a simples prosperidade económica, por exemplo, da família, ou se tem relações sexuais com o namorado(a) ou o cônjuge, imediatamente tal pessoa se esquece da amizade, trocando-a pelo valor da segurança, do bem-estar ou da fidelidade. Mesmo que uma pessoa ou um grupo não tenha um conhecimento correcto da sua hierarquia, ela está lá e revela-se nas situações de conflitos de valores. É, aliás, por causa desses conflitos que tem que existir uma hierarquia. Nos dilemas mais difíceis que a vida nos coloca, temos que decidir entre agir desta ou daquela maneira, o que, em geral, significa, dar mais importância a um valor do que a outro. Os dilemas de Kohlberg que se destinavam a aferir o estádio de desenvolvimento moral do indivíduo, podem ser utilizados também para um melhor conhecimento de si próprio, nomeadamente no que se refere à sua hierarquia de valores, até para se estar melhor preparado para saber o que fazer quando a vida colocar os verdadeiros dilemas. Porém, essa hierarquia, sobretudo nos indivíduos, não é fixa, podendo mudar ao longo do tempo.
Há que salientar, no entanto, que os valores não se aplicam ao comportamento directamente. Eles estão, não obstante, na base das normas que regulam directamente o comportamento. As normas são as regras que qualquer doutrina, sociedade, grupo ou indivíduo, estipula especificamente em relação ao comportamento que deve ser seguido. Muitas vezes os conflitos acima referidos, expressam-se mais directamente como conflitos de normas.
(A discussão quanto à natureza relativa ou absoluta dos valores já foi antes feita a propósito do etnocentrismo e do relativismo..)

Exemplos de valores: ético-políticos – bem, solidariedade, liberdade, justiça, coragem, fidelidade, pudor, imparcialidade, generosidade, moderação, virtude, seriedade, heroísmo, castidade, nobreza, humildade, etc.; estéticos – beleza, sublimidade, elegância, harmonia, singeleza, criatividade, graciosidade, etc.; religiosos – sagrado, divino, inefável, piedade, santidade, misericórdia, martírio, etc.; cognitivos: certeza, verdade, provável, objectividade, etc.: sensíveis: prazer, saúde, riqueza, bem-estar, agrado, vigor, etc.; existenciais: serenidade, felicidade, realização, sabedoria, etc.; outros de difícil classificação – feminilidade, masculinidade, puerilidade, ingenuidade, pureza, força, perfeição, etc.; assim como todos os contrários destes valores.

25.10.07

Proposta de correcção da Actividade 1

1º texto – Conquista e destruição da cultura dos conquistados – Aculturação dos índios pelos norte-americanos: A declaração do senador no texto é já o resultado de uma política norte-americana que se iniciou pela conquista, muitas vezes traindo acordos e tratados, que passou por práticas de expropriação quando recursos valiosos estavam em causa, por deportações muitas vezes para terras miseráveis e inadequadas à economia índia tradicional, por segregação, por bloqueamento económico, por parcelamento com vista à compra das terras aproveitando as situações de miséria, por estimulação do alcoolismo, acabando, em alguns casos, por cometer massacres brutais. Dentro desta mentalidade que considerava a cultura índia selvagem e que só admitia a sobrevivência dos índios se deixassem de ser índios (muito embora, quando lhes convinha, os tratassem como estrangeiros sem direitos de cidadania), acabou, por mais tarde, se generalizar a prática de retirar as crianças das suas comunidades para as “civilizar” em instituições de regime de internato. O objectivo consciente era a desculturação total das culturas índias, sendo a única alternativa o extermínio.
2º texto – Domínio “cultural” (religioso e tecnológico) – Aculturação dos nativos da Nova Guiné e Melanésia pela Civilização Ocidental: Boa parte dos povos do interior da Nova Guiné (papuas) vivia, até há pouco, numa situação semelhante à Idade da Pedra. A intervenção da civilização ocidental na região através do colonialismo, provocou profundas alterações que nem sempre puderam corresponder à compreensão da nossa cultura. Para os papuas, por exemplo, as incríveis máquinas produzidas pela indústria ocidental deverão ter criado uma estupefacção que abriria a possibilidade ao desenvolvimento de outras influências ocidentais. É óbvio que terão associado essas máquinas mágicas à mensagem dos missionários que atacavam os cultos tradicionais, abandonando esses cultos, mas não entendendo claramente os novos e juntando-lhe características da sua própria estrutura perceptiva e do seu próprio imaginário. Assim, nasceu uma cultura nova, fruto da influência religiosa cristã, da influência tecnológica ocidental e da estrutura perceptiva provinda da cultura nativa.
3º texto – Domínio comercial – Aculturação dos portugueses (entre outros) pela cultura anglo-saxónica e, em especial, norte-americana: O domínio comercial da língua inglesa provém já do domínio britânico dos tempos do império colonial, continuado pelo domínio da super-potência norte-americana. Por outro lado, sucessivas indústrias de sucesso no domínio da comunicação (cinema, televisão, música, jogos de computador, informática em geral, etc.) amplificaram cada vez mais esse domínio, ao ponto dessa língua passar a ser usada mesmo nos produtos criados em países cuja língua não é anglo-saxónica. Porém, a influência não fica pelo domínio da língua. Os produtos que usam a língua inglesa são consumidos e imitados na sua própria estrutura e padrões culturais (valores, crenças, costumes, etc.), transferindo para outras culturas os padrões culturais norte-americanos (ou melhor, aqueles que são expressos pelo cinema, música e jogos comerciais). Assim, não se trata apenas do uso de palavras inglesas no meio de um discurso noutra língua; através desse uso, são também padrões de cultura que estão a ser transferidos, condicionando as pessoas a pensarem cada vez mais segundo esses padrões e consumido cada vez mais produtos dessa cultura, em áreas cada vez mais diversificadas, nomeadamente as áreas académicas, tendendo a impor uma cultura mundial única.
4 º texto – Conquista e destruição da cultura dos invasores – Aculturação dos bárbaros pela cultura latina: Apesar das conquistas bárbaras (germânicas) terem destruído boa parte da herança cultural greco-romana, isso não significa que a Europa Ocidental se tenha tornado germânica. De facto, a muito breve trecho os povos germânicos começaram a adoptar o que restava da antiga cultura romana, deixando-se influenciar por ela a todos os níveis, politico, artístico, jurídico, religioso, linguístico, etc. Embora isso não significasse a restauração total da cultura romana, significou uma desculturação gradual dos germânicos que, em certos casos, chegou a ser total. Só nas ilha britânica é que a língua germânica persistiu, mas, mesmo aí, com profundas modificações e influências latinas, para lá da influência romana em muitas outras áreas culturais. Tratou-se, pois, de uma caso em que os invasores reconheceram, implicitamente, o maior desenvolvimento da cultura romana, quanto mais não seja para lidar com populações mais vastas e com reinos mais complexos, tendo sido conquistados culturalmente pelos invadidos.
5º texto – Imigração – Aculturação dos norte-americanos pelos italianos: Toda a imigração influenciou, enormemente, a formação desse cadinho de culturas em que se transformou os Estados Unidos. Entre essa imigração, a “importação” da Máfia foi dos fenómenos mais relevantes na formação da actual “América”. A Máfia acabou por dominar vastos sectores da economia norte-americana, chegando a dominar cidades inteiras e influenciar muito significativamente a política norte-americana. Fê-lo, porém, mantendo a sua estrutura original, os seus valores, os seus costumes e as suas crenças. Assim, quer se goste ou não do facto, muito contribuiu para a afirmação da comunidade ítalo-americana nos USA, fazendo com que os seus padrões de cultura influenciassem inúmeros hábitos, práticas e até obras nos mais variados sectores. Houve, assim, significativa troca cultural em que, durante bastante tempo, foi mais a cultura americana que foi influenciada do que a cultura imigrante (embora esta também acabasse por ceder frente à cultura dominante).

24.10.07

Moodle: Plataforma de Investigação

O Grupo de Investigação CODEC, dipõe agora de uma Plataforma Digital, a partir da qual pode publicar e divulgar os trabalhos realizados e os Planos de Investigação.
Num mesmo espaço é possível trabalhar com três "Disciplinas" autónomas, nas quais três Grupos de Investigação apresentam e partilham tarefas e ideias.
Ficam convidados a visitar o Moodle de Santo António, através dos acessos:
Moodle
Área Projecto 12º

21.10.07

Crash

Porque estamos em colisão entre nós? Porque é que a sociedade norte-americana chegou a tais extremos de incompreensão? Porque é que há quem tente dar uma imagem de não pertencer ao seu grupo étnico? E que diferença será a mais significativa - a de grupo étnico ou a de classe social? Ou o cruzamento das duas classificações dá origem a novos grupos? Porque não tratamos os outros simplesmente como pessoas? E se podemos ser pessoas, porque não o somos sempre, se, quando o somos, a vida faz tanto mais sentido?
Estas são apenas algumas das questões que o filme exibido pode levar a colocar. Não fiquem, porém, limitados por elas. Elas visam dar ideias e não delimitar o que podem escrever. Escrevam um comentário (ou mais) tendo como quadro de referência as temáticas da pessoa, da mentalidade de grupo e do racismo.
Já agora, reparem que a imagem, apesar do filme respeitar a um enorme número de grupo étnicos, só contempla dois e um deles está representado por três dos quatro actores.

23.9.07

Texto de debate para os alunos do 10º ano de filosofia

"Admite-se que importa ter estudado as (...) ciências para as conhecer e que só em virtude de um tal conhecimento se tem o direito de sobre elas proferir um juízo. Admite-se que, para fazer um sapato, se deve ter aprendido e exercitado, embora cada um tenha no próprio pé a medida do sapato e possua mãos e nela a habilidade natural para a ocupação requerida. Só para filosofar é que não se exigem nem o estudo, nem a aprendizagem, nem o esforço."


Georg Wilhelm Friedrich Hegel


Acrescentaria que qualquer um cantarola no duche e não se considera, por isso, um músico; que qualquer um pode verificar as contas do supermercado e não se considera, por isso, um matemático; qualquer um faz rabiscos para se distrair e não se considera, por isso, um pintor, etc.. Porém, qualquer bêbado se considera filósofo por dizer duas ou três larachas sem nexo. Qualquer um pode ser matemático, músico, pintor ou filósofo. Mas só relativamente à filosofia é que há quem pense que todos os homens, só por pensarem, sem qualquer excepção, são filósofos. Poderá isto ter sentido?


22.9.07

L'enfant sauvage

Abro aqui o primeiro espaço para debate deste ano lectivo, motivado pela exibição (apesar dos problemas logísticos no 10º J) do filme L'enfant sauvage de François Truffaut.

Gostaria que considerassem as seguintes questões: se os genes são determinantes na formação da personalidade, como compreender que não assegurem as características específicas mais básicas do ser humano quando o indivíduo é privado de contacto com outros seres humanos? Ao contrário, será, então, que os genes em nada influenciam a formação da personalidade?
Poderão, em vez de responder às questões, salientar os aspectos que julgaram mais relevantes, por exemplo, características que consideramos universais no ser humano e que a criança não tinha, ou aspectos da evolução da criança. Aliás, poderão fazer os comentários que entenderem que se relacionem minimamente com o filme ou com a matéria. Tenham coragem que ninguém vos morde.

20.9.07


Primeira unidade do 10º ano de Filosofia

Os textos de apoio, as actividades e os apontamentos para este primeiro período, estão disponibilizados em formato word no seguinte endereço de um grupo google: http://groups.google.pt/group/riskici/browse_thread/thread/6d6a7b582910a409?hl=pt-PT
É só transferir para o vosso pc.

Boas vindas aos alunos de Área de Integração e do 10º ano de Filosofia

Agora que chegam, pela primeira vez, a este espaço de debate e reflexão, na vossa condição de neófitos, comecem por ter coragem. Não sei se é verdade que, dos fracos, não reza a história. Mas, pelo menos, neste blog não serão notados. Em breve, surgirão aqui temas de debate e de reflexão. Mas vós mesmos podereis trazê-los aqui e mostrar uma coragem ainda maior que o do simples comentário. O futuro é dos audazes.

26.5.07

A Astrologia - Trecho 5

Dá-se o caso de os astrólogos sempre se terem vangloriado de que as suas teorias se baseavam num número enorme de verificações - numa quantidade esmagadora de provas indutivas. Essa pretensão nunca foi seriamente investigada nem explorada, e não vejo por que não haveria de ser verdadeira. Mas pouco ou nada interessante é saber se a astrologia foi muitas vezes ou poucas vezes verificada; a questão é a de saber se ela alguma vez foi seriamente testada por meio de tentativas sinceras de a falsificar.

A explosão demográfica e o humanitarismo

Quem, no seu perfeito juízo, poderia não louvar os esforços humanitários desenvolvidos por médicos, enfermeiros e outro pessoal das mais diversas organizações, que se têm esforçado por minorar o sofrimento das populações do Terceiro Mundo facultando-lhes medicamentos, dando-lhes acesso a antibióticos, promovendo gigantescas campanhas de vacinação, tentando mesmo irradicar certas doenças e chegando mesmo a irradicá-las, como aconteceu com a terrível varíola? Frente a populações esquecidas pelo mundo, esses heróis lutam com meios extremamente escassos para fazerem face às mais diversas doenças epidémicas, algumas das quais, como a malária, continuam a matar em larga escala (2 milhões de vítimas mortais da malária por ano). Haverá outra forma de tratar o tema senão através da idolatração de tais pessoas?
Custa-me fazer o papel de advogado do diabo, mas raramente encontrei uma situação em que melhor se empregasse o velho ditado popular: "de boas intenções, está o inferno cheio." Poderão essas pessoas regressar a suas casas das suas cidades exuberantes de desperdício, com a boa consciência de terem salvo milhares de vidas humanas e, caso sejam religiosos, com a secreta esperança de um lugar no paraíso. Mas, entretanto, o que acontecerá a esses milhares de pessoas que "salvaram"? Para que vida salvaram essas pessoas? Nunca houve massas tão vastas de famélicos como na nossa humanitária época. Cada pessoa salva de doenças que eram mortais no passado, reproduzir-se-á e engrossará a massa de famintos. Em vez de morrer de uma doença que a faria sofrer durante alguns dias, semanas ou meses, poder-se-á arrastar com sede, fome e sofrimento, durante décadas. As vacinas e os antibióticos poderão ter chegado a tais remotas paragens, mas não a comida, com excepção de campanhas pontuais, e não as condições produtivas para superarem a miséria. As situações são diversas e em muitos locais as condições de vida são suficientemente aceitáveis para que as campanhas humanitárias sejam incondicionalmente boas. Não deixa de ser interessante que até essas condições aceitáveis sejam inferiores àquelas que, no mundo desenvolvido, se consideram inaceitáveis para a vida e justificativas, nas campanhas políticas, para a execução do aborto. Mas vastas regiões do mundo, como, por exemplo, a maior parte do Sahel, defrontam-se com condições, para uma população sempre crescente, inferiores a qualquer limiar mínimo aceitável. E, nesses casos, essas pessoas e a sua imensa prole que acompanha sempre, em qualquer lado, a miséria, foram "salvas"?
Claro que não é do pessoal humanitário a culpa das condições de vida dessas regiões desoladas. Claro que esse pessoal humanitário é o primeiro, no mundo desenvolvido, a conhecer essas condições e a revoltar-se contra a inércia das potências políticas e económicas que esbanjam recursos inimagináveis e só olham para essas regiões se a cobiça por matérias primas lá encontrar um alvo de exploração, que chegam a provocar instabilidade, conflitos e guerras apenas para terem um acesso mais fácil e barato à espoliação de tais recursos. Claro que têm a consciência de estar a lutar contra a maré e que a sua acção pouco pode melhorar as condições de vida daquelas pessoas. A questão, porém, é se não piorará em vez de melhorar. Criando condições para o aumento populacional, a acção médica, sem a evolução económica das zonas desenvolvidas, salva pessoas para uma cada vez maior pressão sobre os recursos disponíveis, levando a que se intensifique e se estenda a actividade agrícola a zonas reservadas tradicionalmente à pastorícia, à floresta ou a pântanos, provocando, imediatamente, desastres ecológicos e, com o tempo, a erosão dos solos e uma cada vez maior desertificação. Muitas vezes, a única solução é partir para cidades que não têm condições para os receber e onde se criam cidades de lata gigantescas, nas quais os famélicos procuram encontrar migalhas que caiam da mesa dos ricos que os possam sustentar um pouco mais de tempo. Mesmo nos países mais miseráveis, há sempre quem se banqueteie à beira das condições humanas mais deploráveis. De facto, algumas das maiores fortunas convivem com a miséria inominável da esmagadora maioria.
Muitas vezes, não se tem sequer conciência que a medicina é também uma área tecnológica. Como área tecnológica, tem o objectivo de mudar a realidade, nomeadamente as condições naturais. Como um engenheiro que tem como objectivo chegar à outra margem do rio e, para tal, constrói uma ponte sem estar a considerar todo o resto do mundo, assim um bom médico trata uma doença de um ser humano só porque é um ser humano, independentemente de quaisquer condições que existam à sua volta. Como poderá qualquer pai não querer que um médico salve o seu filho em sofrimento e que, antes, estava a caminho de uma morte certa? É por isso que é humana e humanitária a acção. E, com certeza, que esse esforço médico é infinitamente mais meritório que o dos médicos que só agem a peso de ouro em confortáveis consultórios acolchoados. Mas esta actuação tem as características de toda actuação tecnológica. Nunca parece haver consciência de que a mudança ou transformação de um grão de areia, passe o exagero, poderá ter impacto no conjunto do mundo. Com certeza que as organizações humanitárias poderão dizer que fizeram a sua parte e que cabe a outro tipo de organizações fazer o resto. Mas a questão está no facto de ser ou não benéfico fazer esta parte sem que as outras sejam feitas.
Os meios naturais de controlo da população foram muito diminuídos e, em vastas áreas do globo, não existem condições sociais, económicas e políticas para a criação de meios estritamente humanos de controlo. O desespero é de tal ordem que, em muitas zonas, já se levaram a cabo campanhas mais ou menos secretas de esterilização forçada e de abortos sistemáticos. Os locais onde tais práticas ocorrem não são, porém, os mais desfavorecidos de todos. Nos locais mais desfavorecidos, como em grande parte da África sub-saariana, a proliferação é entregue, simplesmente, à sede e fome massivas. No seu desespero, arriscam-se a tudo para virem bater à porta dos reinos do desperdício, a Europa e a América do Norte, e aí ganhamos consciência deles como um incómodo. Não temos sequer consciência que esse "incómodo" corresponde à esmagadora maioria do mundo. Sempre fiquei deprimido com o facto de os meus alunos pensarem que pertencem a um povo desfavorecido no mundo e de não terem nenhuma consciência que, mesmo os mais desfavorecidos entre eles, pertencem aos 15% da população mundial mais privilegiada. E esta cegueira é a primeira condição cultural para que todos os restantes erros de cálculo sejam feitos. O mundo está à beira do abismo e muita gente julga que está contribuir para a salvação do mundo com chazinhos de caridade.
Seria melhor, então, não fazer nada? É demasiado tarde para e demasiado horrível não fazer nada. Costuma-se dizer que o bom é inimigo do óptimo, mas, por vezes, trata-se, simplesmente, do mau ser melhor que o pior. Estou certo que a África estaria muito melhor se não tivesse existido a colonização e se nunca lhe tivessem sido trazidos os "benefícios" da "civilização", da tecnologia. A natureza geriria muito melhor a realidade humana do que os humanos têm gerido. Porém, as multidões sempre crescentes de famélicos já aí estão e deixá-los, simplesmente, morrer é já o que acontece, sem que isso signifique, porém, qualquer paragem ou recuo na explosão demográfica. O que seria importante é que se começasse a pensar melhor e que se ponderasse, sempre, o conjunto das situações, em vez de entregar o tratamento dos constantes cenários catastróficos a tão arrebatados como inconsequentes (quando não nefastos) gestos de entrega do coração. O que seria importante é que se deixasse de pensar parcialmente, unilateralmente, fragmentariamente, e cada acto se integrasse num todo. É isso que se vai passar? A julgar pelas sucessivas declarações da ONU, o fim da fome no mundo está sempre a um passo, mas, passados uns anos, estamos sempre mais distantes do que estávamos. Não me parece crível que vá ocorrer uma reforma na humanidade de tal ordem que, por todo o lado, em uníssono, se comece a pensar decentemente. Julgo que, infelizmente, o melhor que se pode esperar é que tudo continue, mais ou menos, na mesma, nuns lados melhor, noutros pior. E temo, sinceramente, que tudo esteja a progredir para a desgraça inexorável, até porque o que o passado nos mostra das tentativas de "civilizar" o mundo é que parece sempre querer dar-se razão a um outro ditado popular: "pior a emenda que o soneto."
Que assim não seja, podem crer que adoraria estar enganado...

25.5.07

As matanças mundiais

Mais de cem milhões de homens morreram nas duas guerras mundiais e na guerra civil russa (que foi uma extensão da grande guerra) e muitos outros milhões em outras guerras ligadas à 2ª grande guerra. Uma matança de tal ordem não se faz sem tecnologia e sem uma mentalidade tecnológica.
Que quero eu dizer com uma mentalidade tecnológica? Uma mentalidade que, julgando que algo está mal na realidade, se concentra nos meios para alterar essa realidade. Uma mentalidade que considera a realidade como um quadro no qual se devem fazer as alterações julgadas necessárias, um conjunto de matérias primas brutas que é necessário transformar para dar origem à matéria esmerada, à realidade considerada ideal. Uma mentalidade que concebe a realidade como algo que se usa e abusa para atingir os objectivos considerados superiores. O pretender alcançar objectivos superiores, o que a realidade deveria ser, é antigo e não é imputável à mentalidade tecnológica. Mas a esse desiderato, juntou-se contemporaneamente um cálculo frio e rigoroso que entrega o mundo inteiro à usura e que não o considera verdadeiramente como mundo, mas sim como matéria transformável, como um mero fundo a partir do qual, num atelier, se pode desenhar o que se quiser e transformar, inteirinho, num estaleiro de obras.
Esse estaleiro abrange toda a realidade, mesmo a humana, afirmando-se tanto na engenharia monumental, como na engenharia utilitária, como na engenharia do extermínio, como na engenharia da conquista, como na engenharia genética, como em qualquer outra área, mesmo a ecológica. E quando o mundo for acabado pela regra e pelo esquadro, seja a régua e o esquadro dos nazis, seja a da União Europeia, da China ou da União Soviética, seja a das multinacionais norte-americanas ou japonesas, seja que régua e esquadro for, ainda teremos um mundo onde valha a pena viver? Infelizmente, cada régua e esquadro concorre com as outras e não parece que possamos chegar ao fim desta concorrência - mas se pudéssemos ultrapassar esta situação de constante conflito, um mundo tecnológico todo orientado na mesma direcção, seria desejável? Ou seria um despotismo inominável onde a própria realidade humana desapareceria, considerada um fundo a transformar, uma matéria bruta de que se poderia pôr e dispor em prol de objectivos mais altos, mais um objecto de usura entre tantos outros, um conjunto de produtos que se possa transaccionar de acordo com o valor da transformação? Talvez esse admirável mundo novo não esteja tão distante quanto se possa supor...

24.5.07

Holocausto

Crianças vítimas de experiências "científicas".






Seria possível o holocausto judeu, na dimensão que teve, sem a tecnologia e, sobretudo, sem uma mentalidade tecnológica? Seriam possíveis as guerras mundiais, as purgas soviéticas, os múltiplos genocídios, sem tecnologia e sem mentalidade tecnológica? No fundo, não são só as grandes barragens ou canais (também com um triste registo de uma mortandade sem fim - vejam o canal do Panamá ou os canais soviéticos), não são só os arranha-céus e as grandes vias de comunicação, não são só as nossas cidades iluminadas de noite como se fora dia, que são grandes realizações da tecnologia. O holocausto ou a 2ª guerra mundial também são grandes realizações da tecnologia. Como diria o vendedor de J. K. Rowling a propósito de Voldemort: "grandes mas terríveis".

A doença de Minamata


Simples descargas de uma fábrica (Chisso Corporation) no Japão deram origem à doença. Outras em Niigata, também no Japão, continuaram-na. As descargas continham altos teores de mercúrio. Ascendem a cerca de 3000 as vítimas reconhecidas da doença. Descubram o sofrimento que está por detrás da fotografia.

A nuvem negra de Mordor?

Infelizmente, não havia sido a primeira vez e, provavelmente, não será a última. Em 2006, os incêndios provocados no Borneo para desbastar terras para a agricultura à custa da selva tropical, criaram uma gigantesca nuvem de fumo que tornou o ar dificilmente respirável em todo o sueste asiático, transformando o dia numa noite poeirenta e afectando a região durante mais de um mês. A segunda foto refere-se à cidade de Kuala Lumpur, bem distante dos incêndios no Borneo.

Exxon Valdez

Em 1989, o petroleiro Exxon Valdez derramou cerca de 11 milhões de galões de crude, segundo as menores estimativas, junto à costa do Alasca, atingindo mais de 2000 Km de costa e afectando uma área muito maior. Centenas de milhares de aves e biliões de animais marinhos morreram e os ecossistemas continuam, ainda hoje, destruídos ou afectados.

O desastre de Bhopal





Em 1984, numa fábrica da multinacional americana Union Carbide situada em Bhopal, na Índia, a libertação de um gás venenoso de um contentor de armazenamento devido à destruição de uma válvula sob pressão excessiva, provocou a morte quase imediata de milhares de pessoas e continuou a matar, a pouco e pouco, outras milhares ao longo do tempo, sendo, ainda hoje, a causa de inúmeras enfermidades que encontram tão pouco acompanhamento médico, como se encontram números exactos relativos à catástrofe. Só 20 anos depois as vítimas sobreviventes começaram a receber indemnizações, num acordo muito criticado entre a Dow Chemichal (que adquiriu a Union Carbide) e o governo indiano, tendo este último acordado o encerramento definitivo de toda a disputa. As pessoas, porém, continuam a sofrer.
Legenda das fotos: A idosa da foto sobreviveu em estado grave mas toda a família morreu. Criança não identificada. Cremação em massa. Crânios abandonados após a investigação médica.

Lago Chad



Como parecem gostar de temas apocalípticos, o lago Chad fornece outro, sintoma da desertificação do Sahel em proveito do Saara e, novamente, da agricultura intensiva. Dos 26000 km2 de 1960, restavam 1500 km2 em 2000. O resto do lago surge a azul, na foto maior de 2001. Pode-se ver por cima a progressão desde 1973.

Resposta ao concurso "Quem é este bacano?"

Desculpem o atraso na resposta. O trabalho distraiu-me. A resposta é "A reencarnação do meu caniche." Ou seja, falharam miseravelmente. Como vos disse, a net engana muito. No final do ano, vou por um que vocês não conseguirão responder com a net.

22.5.07

A situação no Mar de Aral

Para verem que as catastrofes ecológicas não se resumem a Chernobyl, eis aqui um outro exemplo. Para irrigar e transformar em terras agrícolas vastas áreas das estepes da Ásia Central, sobretudo destinadas à produção de algodão, as águas do Amu Darya e do Syr Darya que alimentavam o mar de Aral, foram sistematicamente desviadas para os canais de irrigação, provocando, a pouco e pouco, a redução das dimensões do mar, estando, hoje, reduzido a um quarto da área original (1960 - 68000 km2; 2004 - 17160 km2). Aparentemente, a situação não é pior devido ao influxo proveniente de correntes subterrâneas. A salinização quer do lago, quer das terras resultantes do recuo das águas, e a deposição de químicos, nomeadamente, resultantes dos fertilizantes e pesticidas usados a montante, tornaram a região inóspita, levando ao abandono da região por grande parte da antiga população, sem recursos para sobreviver, e ao desenvolvimento de doenças cancerígenas e pulmonares entre a população remanescente. Pior ainda, verificou-se que boa parte do desvio das águas (em algumas estimativas, a maior parte) é destinado ao desperdício por falta de impermeabilidade dos canais e por evaporação (repare-se que se tratam de terras, originalmente, desérticas ou semi-desérticas). O antigo mar dividiu-se nos anos 90 em dois lagos menores e ameaçava dividir-se em três em 2003. Recentes medidas do governo casaque têm vindo a melhorar a situação na secção norte do Mar de Aral.

Paralelamente a esta situação, com muitos pormenores aqui não referidos, outros assuntos interessantes são os efeitos das instalações de investigação e deposição de resíduos de armas biológicas localizadas numa antiga ilha situada no meio do Aral, assim como os actuais interesses na exploração de petróleo e gás na zona.


Legenda das fotos: Redução progressiva do Mar (1964; 1985; 2003). Navio abandonado. Antigo porto de Aral. Antigo mapa do Aral e da sua bacia hidrográfica.

20.5.07

A Astrologia - trecho 4

Vemos aqui, como em tantos outros casos (por exemplo, no caso de Copérnico), que é possível que hipóteses importantes tenham origem em ideias verdadeiramente fantásticas: a origem é coisa que nunca importa, enquanto a hipótese for testável. Compreende-se a frieza de Galileu face a Kepler: Galileu pertencia ao partido racionalista (tal como a Igreja Católica Romana) e opunha-se à astrologia. É claro que também é esta a razão por que ele estava tão obsesso com a sua teoria das marés, uma teoria anti-astrológica mas errada, e com a sua versão ultra-simplificada do sistema copernicano.

Futebol da Filosofia

Houve muita gente a dizer que ia fazer uma nova entrada sobre a questão "Para que serve a Filosofia?", mas não vi nada. Por isso, faço esta nova entrada para discutirem o filme que está aqui ao lado e o que ele significa. A ver se agora arranjam coragem.

O racismo latente na linguagem

Um dos mais enraizados sintomas de racismo na nossa linguagem reside na forma como evitamos usar o termo "preto" para não sermos racistas. Utiliza-se "negro" por eufemismo, como se o termo "preto" designasse algo abjecto, indigno ou obsceno. O próprio facto de usar o termo "negro" é indicativo da aceitação do sentido pejorativo do termo "preto". Eu próprio tenho, por vezes, que o usar, para não perder tempo a explicar a minha posição, sobretudo em situações em que me dou conta da existência de opiniões racistas. Em tais contextos, a utilização da palavra "preto" é interpretada como um código de discriminação e de cumplicidade em tudo o que essa discriminação acarreta. Para que tal situação fosse invertida, seria necessário que, como aconteceu nos Estados Unidos, existisse uma afirmação cultural contraposta de valorização da identidade negróide. Pior ainda é a utilização do termo "de cor", tentando evitar a expressão directa de uma realidade muito desagradável. Nem vale a pena dizer quanto é absurda a expressão, como se os caucasóides fossem cristalinos, sem cor, e os negróides fossem produtos de uma coloração, como que manchados.

Não deixa de ser interessante o facto de "mulato" não ter, em geral, conutação pejorativa, quando a raiz da palavra é mula - o que dificilmente poderia ser mais insultuoso. Pelo contrário, os mestiços são incluídos nos manchados e, por extensão, nos "pretos", como se ter parte da sua ascendência negróide anulasse a ascendência caucasóide (provavelmente, devido à concepção da mancha que anula a natureza cristalina.) Assim, tenho visto que os racistas mandam para a "sua" terra tanto pretos, como mulatos. E, é claro, negam sem a mínima hesitação qualquer possibilidade de miscigenação nos "brancos" portugueses, nos mais de cinco séculos de contactos mútuos, apesar da presença óbvia de traços negróides em muitos desses "brancos puros", persistentes apesar da diluição desses traços, ao longo das gerações, nas características maioritárias.

Outra atitude curiosa do racismo mais generalizado e mais covarde, é o encerramento dos dichotes racistas com a declaração "estava a brincar". É interessante que nunca ouvi uma piada de um benfiquista contra o Benfica, nem de um branco relativamente aos brancos. É triste que, por vezes, membros dos grupos minoritários, para serem aceites na sociedade mais vasta, sintam ter a necessidade de gozar com o seu próprio grupo - isso é parte do ritual para ser aceite como um indivíduo "porreiro", "apesar de ser", por exemplo, "preto" ou "loira" ou "gordo". As piadas discriminatórias são, apenas, uma forma covarde de agressão. Um membro de um grupo que se julga dominante nunca faz piadas acerca do seu próprio grupo. As piadas e os dichotes são uma forma de afirmar ou consolidar o seu domínio, e também de manter ou consolidar os laços de cumplicidade com os outros discriminadores.

É neste quadro que se costuma dizer que o povo português (estando-se, sempre, a referir, exclusivamente, aos brancos) não é racista ou, pelo menos, não é muito. Diz-se isso num quadro enraizadamente racista que vai do subliminar até ao racismo mais patente - quem declara que o povo português (branco) não é racista perante tal realidade óbvia, apenas está a patentear o seu racismo covarde, o tal racismo do "era só a brincar".

19.5.07

Página riskici

Depois de ter lutado arduamente e sem grandes resultados, consegui pôr na rede a minha primeira página. É apenas um esboço inicial, servindo apenas como apoio para o blog. Por enquanto, nem sequer é grande apoio e, com a falta de tempo com que estou, duvido que avance muito mais nos próximos tempos. No entanto, aí está ela: http://quimnar.googlepages.com/index.htm

5º Teste

Matéria:
Caracterização do conhecimento vulgar (51-58); Senso comum e ciência (70-77); também para esta comparação contribui a caracterização geral da ciência (60-61); Objectividade (62-64 e 86-90); Positividade (64-65); Racionalidade (65-66 e 86-89); Revisibilidade e Autonomia (66-67); O método experimental (78-81); Verificacionismo/positivismo (82-83, 119-120 e apontamento); Crítica de Popper ao positivismo (apontamento); Teoria da falsificabilidade (83-84 e apontamento); Demarcação das pseudo-ciências (apontamento).
Muitos dos textos de apoio entre as páginas 92 e 100 são fundamentais para todos estes temas.
Para os temas dos riscos da ciência, deve ser lido o conjunto do capítulo (108-146). Aí, podem-se encontrar razões para os problemas mais específicos que irão tratar. Entre os problemas específicos, serão abordados: Problemas ecológicos (125-128); Problemas da globalização (129-131); Problemas da bioética (132-134 e 178-180); De uma ética antropocêntrica a uma ética cosmocêntrica (143-150). Além destes, serão ainda abordadas as concepções de verdade (156-164).
Essas concepções são abordadas em geral nas páginas 158-159, sendo depois tratadas especificações de cada uma delas. Como disse na outra entrada, os temas serão apresentados de forma mais inteligível para aqueles que nem sabem o que é um livro: em vez de aletheia surgirá "Verdade e manifestação"; em vez de veritas surgirá "Verdade e testemunho"; e em vez de emunah surgirá "Verdade e compromisso".
Assim, sempre pode ser que inventem qualquer coisa que tenha que ver com o tema. Quanto à verdade como perspectiva, deixo ao critério dos alunos a possibilidade de se referirem a ela, tendo em conta que se trata de uma concepção muito popular entre os jovens. Saliento, porém, o que já salientei nas aulas: o facto de se admitir o carácter perspectívico da verdade não anula nem a experiência do erro, nem o exercício da mentira.
Uma última nota: foi abordada nas aulas a concepção de T.S. Kuhn. Não a peço, especificamente, no teste, até porque ninguém irá fazer, agora, o exame. Porém, se, no próximo ano, for ressuscitado o exame de filosofia e alguém o fizer, visto o autor não estar tratado no manual, convirá virem ter comigo para arranjar material adicional. (O mesmo se diga para aquela definição de conhecimento tratada com base num outro manual e relativa à matéria do 2º período.)

Deixem aqui as vossas dúvidas para o teste, que o mestre Narciso vai-nos tirá-las certamente :o

17.5.07

Verdade como compromisso e a nossa "política"

Durão Barroso prometeu baixar os impostos e, assim que foi empossado, aumentou-os. José Sócrates garantiu não os aumentar e, ainda mais rapidamente, aumentou-os brutalmente. Os mais velhos lembrar-se-ão do célebre "read my lips" de George Bush pai. Mas o mais interessante nos dois anteriores é que justificaram as quebras das promessas com o facto de terem encontrado uma situação desconhecida, quando boa parte da crítica aos anteriores governos incidia sobre essa situação só depois tornada desconhecida. Perderam os nossos governantes completamente a vergonha ou nunca a tiveram? Que sociedade é possível se nenhum compromisso é fiável? Como se pode exigir aos jovens que cumpram compromissos, com os exemplos dados pelos nossos políticos? Será que a existência de um sistema multi-partidário é incompatível com a verdade?
(Entrada feita a pedido da Helena, muito embora vocês possam fazer novas entradas.)

Crash

Na sequência da exibição do filme Crash nesta semana, abro esta entrada com objectivo de comentar e discutir o filme, tendo em conta os conteúdos já leccionados relativos à categorização social, à discriminação, a atracção e a agressão, a influência social, a identidade social, o conflito e a cooperação, os grupos e o papel das minorias. Esse comentário pode ser alargado a outras pessoas, podendo-se falar de outros temas e obras (cinematográficas ou não), incluindo o trecho exibido do Senhor dos Anéis. Porém, gostaria que se centrassem nas temáticas que tenham alguma relação com o filme e não se dispersassem como aconteceu noutros debates. Evitem, igualmente, insultos e obscenidades. Têm o msn para os dizer, não precisam vir para aqui fazer isso.

16.5.07

Humanidade: sapiens ou praga?

Mais um texto de enorme interesse de um colega meu lá da escola que se encaixa no âmbito da reflexão pedida nos trabalhos acerca dos riscos da ciência.

http://cosmocronos.blogspot.com/2007/05/humanos-conceito-e-realidade.html

Os limites da Ciência

No programa de Int. Filosofia que caducou há dois anos, ainda a temática actual dos poderes e riscos da ciência tinha um outro tema: os poderes, os limites e os riscos da ciência. Apesar dessa referência ter desaparecido, o tema dos limites da ciência continua a estar implícito em toda a problemática epistemológica de um critério de demarcação entre o que é ciência e o que não o é. De facto, mesmo o critério de demarcação popperiano parece excluir não só as pseudo-ciências ocultas, mas também boa parte das ciências sociais e humanas, podendo-se questionar se não será um critério injustificadamente restritivo. Além disso, existe a questão das ciências não empíricas (lógica, matemática), assim como a questão do estatuto de áreas que também se reivindicavam como ciências, tal como a metafísica e a teologia. Finalmente, poder-se-á questionar se não existem vias de acesso à realidade ou a áreas da realidade vedadas aos métodos científicos e que poderão ser trilhadas por outras áreas como a religião (nomeadamente, através da fé) ou a arte. Outra questão ainda que se poderá pôr é a relativa a áreas de investigação que, embora ainda não tenham um corpo teórico, possam estar numa situação pré-científica, susceptível de vir a dar origem a áreas científicas (como no passado já aconteceu) se não forem rejeitadas dogmaticamente: parapsicologia, paranormal, ovnilogia, etc.
A discussão ocorrida na entrada que tem mais comentários e o facto de muitos outros alunos quererem participar na discussão, fez-me dar origem a esta entrada destinada ao debate sobre estes temas: "O que faz de uma ciência, uma ciência?", "As áreas consideradas pseudo-científicas não têm qualquer interesse?", "O para-isto, o para-aquilo é só charlatanice?", "Há realidades acessíveis só à fé e não à razão, ou a fé é apenas o porvir de uma ilusão?", etc., etc.. Há mil e uma vias de tratar estas questões, mil e um temas possíveis, mil e uma perspectivas possíveis. É só vocês quererem.

15.5.07

A Astrologia - trecho 3

Pelos vistos, a textonovela é um fiasco. Desisto da do marxismo, visto parecer que já nem os camaradas o defendem como científico. Mas vou continuar com a da astrologia, visto os amantes da astrologia continuarem a pulular por aí:

"Um bom exemplo de como tudo isto pode ser complicado é-nos dado por Kepler, cujas teorias eram uma curiosa mistura de ciência e astrologia. Diferentemente de Newton, que só muito relutantemente é que aceitava ideias astrológicas, Kepler pertencia à tradição astrológica. Como Copérnico, Kepler pertencia à tradição platónico-pitagórica, acreditando em «influências» astrais, sobretudo a do Sol sobre os planetas. Não obstante, Kepler era um astrónomo altamente sofisticado e crítico: nunca se cansava de submeter as suas hipóteses a testes engenhosos e altamente criativos, examinando as suas consequências à luz das melhores provas astronómicas à disposição. A sua atitude maravilhosamente crítica («Que tolo que eu fui», escreveu ele) fez com que lhe fosse possível dar os grandes contributos que deu à ciência - apesar do carácter fantástico de algumas das suas belas hipóteses."

Blog dos desportistas

Já que pouco têm colaborado neste, encham o vosso próprio blog: http://turma-tec-desporto.blogspot.com/

13.5.07

O que é a verdade?

"Jesus: Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.
Pilatos: O que é a verdade?" (João, 18, 37-38)

Faço minha, para vós, a pergunta de Pilatos.

Allgarve police


Viram aquele inspector da judiciária a falar em "anglês": "A police personne will give a pitcher of the pijama". Eu chamei, logo, a minha filha para lhe mostrar que, se alguma vez fizesse aquela figura, eu deixava de a reconhecer como filha.

11.5.07

Cartoon sobre o poder e os riscos da ciência

Para aqueles que julgam estar imunes aos riscos da ciência, um cartoon editado num blog de uma colega minha:
http://cafedosfilosofos.blogspot.com/2007/05/tema-filosfico-o-poder-e-os-riscos-da.html

Outro texto para reflexão

Também proveniente de um blog de uma colega minha (outra): http://filoblog-alzira.blogspot.com/2007/05/tecnologia-altera-tudo-era-esse-o.html

Para os alunos de Psicologia

Comentem este filme, à luz do conjunto do programa, mas, sobretudo, da última unidade sobre o papel das minorias: http://www.youtube.com/watch?v=PbUtL_0vAJk - este discurso marca um dos mais altos momentos do movimento dos direitos civis da comunidade negra dos Estados Unidos. O comentário pode ser mais sobre o tema em geral do que sobre o filme em particular (mesmo que sejam comentários tristes de quem se julga pertencente à raça superior).
Se até para os filmes, têm dificuldades de digestão, aqui vai uma versão curta http://www.youtube.com/watch?v=Y4AItMg70kg. Comentário em português http://www.youtube.com/watch?v=7zHPsGtKk_Y.

Texto de reflexão sobre o homem

Trata-se de um texto de uma colega minha lá da escola que me pareceu bastante inspirador, sobretudo no domínio dos problemas ecológicos: http://totemetabu.blogspot.com/2007/05/o-elo-quebrado.html

Sign in

Porque não se tornam membros do blog? É assim tão difícil criar um nick e meter uma palavra-chave, seus info-excluídos?
Já agora, os membros se quiserem podem pôr uma fotografia. Se não souberem como, mandem a fotografia para mim que eu meto-a.

9.5.07

Link para o forum

Para aqueles que não tinham e-mail ou não o deram, e não foram convidados para o forum, acedendo apenas ao blog, fica aqui o forum
http://groups.google.com/group/riskici/topics

"Postar" à vontade

Julgo ter descoberto porque não podiam "postar" directamente. Precisavam do estatuto de administrador. Agora que o têm, se me lixam o blog, chumbo-vos a todos. Façam o favor de não alterar a configuração.

8.5.07

Mail para blog

Podem escrever para o blog enviando e-mail para
quimnar.riskici@blogger.com

Chernobyl de novo

O trabalho pode também ter suporte multimédia, sendo exposto num dos computadores da biblioteca.
http://www.youtube.com/watch?v=eAEfJ5K51LU

7.5.07

A astrologia - trecho 2 da textonovela

A teoria lunar das marés, por exemplo, foi historicamente uma descendência de crenças astrológicas. Antes de ter sido aceite por Newton, foi rejeitada pela maior parte dos racionalistas como sendo um exemplo de superstição astrológica. Mas a teoria da gravitação universal de Newton mostrou não só que a Lua podia influenciar os acontecimentos «sublunares» mas, para mais, que alguns dos corpos celestes supralunares exerciam uma influência, uma atracção gravitacional sobre a Terra, e, desse modo, sobre os acontecimentos sublunares, em contradição com a doutrina aristotélica. Assim, Newton aceitou, relutante mas conscientemente, uma doutrina que tinha sido rejeitada por alguns dos melhores cérebros, incluindo Galileu, como sendo parte de uma pseudociência sem crédito.
Isso mostra até que ponto é fácil perdermos uma ideia importantíssima rejeitando indisciplinadamente uma teoria pseudocientífica.

6.5.07

O homem e a natureza

Qu'est-ce que l'homme dans la nature? Un néant à l'égard de l'infini, un tout à l'égard du néant, un milieu entre rien et tout. Infiniment éloigné de comprendre les extrêmes, la fin des choses et leur principe sont pour lui invinciblement cachés dans un secret impénétrable, également incapable de voir le néant d'où il est tiré, et l'infini où il est englouti. (Blaise Pascal, Pensées, éd. Brunschvicg, 72)

O marxismo

Reparando que passou recentemente o aniversário da morte de Karl Marx e que a textonovela da astrologia não está a vender, decidi provocar os nossos "camaradas" com uma textonovela complementar, proveniente do mesmo livro, do mesmo autor e sobre o mesmo tema. Considerem isto uma cotextonovela, visto o objectivo ser o mesmo que o da textonovela da astrologia. A pergunta, neste caso, é:

"Será o marxismo (ou o materialismo dialéctivo, ou o socialismo científico) uma ciência?"

Trecho 1

"Em 1919, comecei a suspeitar das várias teorias psicológicas e políticas que reivindicavam o estatuto de ciências empíricas, em especial a «psicanálise» de Freud, a «psicologia individual» de Adler, e «interpretação materialista da história» de Marx. A mim parecia-me que todas estas teorias eram defendidas de uma forma acrítica. Dispunha-se de um grande número de argumentos a favor delas. Mas a crítica e os argumentos contrários a elas eram vistos como hostis, como sintomas de uma recusa obstinada em admitir a verdade manifesta; e, por isso, eram enfrentados com hostilidade e não com argumentos."

A astrologia

Não sei se alguém já fez isto, mas, para mim, é uma experiência nova. Vai ser uma textonovela. A ideia é que vão dando respostas a uma questão (que contam como trabalhos para a disciplina), comentando ou, pelo menos, inspirados num texto que irá sendo apresentado a pouco e pouco, um trecho cada dia. Devem começar a responder logo depois do primeiro trecho e podem voltar a responder quantas vezes quiserem. O texto é de Karl Popper (não digo a obra para não irem ver as cenas dos próximos capítulos) e a questão é:

"Será que a astrologia é uma ciência?"

Trecho 1

"Como exemplo clássico de uma pseudociência, podemos considerar a astrologia. Pode-se fazer recuar a história desta, juntamente com a da astronomia, à crença religiosa de que os planetas são deuses (como até Platão afirmou). Esta crença politeísta foi abandonada quer na astrologia, quer na astronomia, de maneira que ambas as ciências acabaram por concordar na ideia de que os planetas eram simplesmente designados a partir dos nomes dos deuses. Mas a astrologia, enquanto abandonava o politeísmo, continuou não só a associar um significado mágico aos velhos nomes divinos, como também a atribuir aos planetas poderes tipicamente divinos, que ela tratava como sendo «influências» calculáveis. Não é de espantar que tenha sido rejeitada pelos aristotélicos e por outros racionalistas. Mas rejeitaram-na, porém, em parte, por razões erradas, e levaram essa rejeição demasiado longe."

Nota - O termo "racionalista" não tem aqui o mesmo significado que teve nas aulas do 2º período. Surge aqui apenas em oposição ao cultivo da imaginação em detrimento da razão.

Chernobyl

Se julgam pouco relevante o tema "Os riscos da ciência e da tecnologia", imaginem que acontecia numa das centrais nucleares junto à nossa fronteira o que aconteceu em Chernobyl e que este era o vosso filho nascido já após o desastre. Reparem que, embora o desastre fosse na Ucrânia, o país mais largamente atingido a longo prazo foi a Bielorrúsia (tal como poderia ser Portugal em relação à Espanha - já houve, aliás, incidentes menores em Espanha). Não sei onde meti um conjunto de fotografias que há alguns anos recolhi e onde se mostravam horríveis deformações em crianças nascidas após o desastre - talvez um pouco mais de horror que um criança extremamente doente com leucemia ou com doenças hepáticas, ajudasse, pelo medo, a criar um pouco mais de consciência. De qualquer forma, se isso não fosse suficiente para despertar consciências, não sei o que poderia ser...


Como parte do lixo que pulula na net, existe agora um esforço de muita gente para branquear o que aconteceu em Chernobyl (assim como outros o tentam exagerar). Trata-se de algo semelhante aos revisionistas nazis que negam o holocausto. Aliás, também o holocausto ou as guerras massivas poderiam ser temas a tratar no âmbito dos riscos da tecnologia. Não se matam milhões de pessoas sem tecnologia e sem, sobretudo, uma mentalidade técnica, como bem sublinha um filósofo que, infelizmente, teve um passado nazi (Heidegger). Neste como noutros casos, preocupem-se em verificar a credibilidade do 'site' de onde retiram os dados. Por exemplo, neste caso, existe um respeitável 'site' das Nações Unidas, através da sua delegação na Bielorrússia, que valeria a pena consultar.
Isto é apenas mais um exemplo de tema. Temas que envolvem a desgraça humana como efeitos do progresso tecnológico, é, infelizmente, coisa que não falta. Ao calhas, outro tema: investiguem o que aconteceu ao mar de Aral na Ásia central ou ao lago Chade em África (e também os efeitos nas populações). Outro ainda de que tive conhecimento recente através da greenpeace: a situação resultante nas áreas de investigação nuclear da antiga URSS.
Temas não faltam. Vontade de trabalhar um pouco e sensibilidade relativamente a estas questões é que podem escassear. E proponham outros temas, mesmo que não os tratem, para aqui os discutirmos e até poderem dar ideias a outros colegas.

O positivismo e a teoria da falsificabilidade

O Positivismo

O positivismo ou filosofia positiva (por contraposição a metafísica) foi fundado por Auguste Comte (1798-1857), sobretudo a partir do início dos Cursos de filosofia positiva (1830). No fundamental, o que caracteriza todo o positivismo é a exigência da redução do conhecimento aos factos e às leis (ou factos gerais) que deles se inferem. O sistema de Comte funda-se numa filosofia da história que supõe que toda a história humana evoluiu de um estádio religioso para um metafísico, evoluindo, progressivamente, na modernidade, para o estádio final positivo. A partir desta fundamentação, pretende Comte fundamentar e classificar as próprias ciências (e também limitá-las e orientá-las). Finalmente, funda uma sociologia que conclui o edifício das ciências (reduzidas a cinco: astronomia, física, química, biologia e sociologia) e também a evolução definitiva para o estádio positivo, relegando a metafísica para o passado. Além disso, a fundação da sociologia permitia a reforma prática, dando origem ao Estado positivo, e a reforma religiosa, dando origem à religião da Humanidade. Muitos dos positivistas posteriores rejeitaram este último aspecto da filosofia de Comte.
Do ponto de vista epistemológico, são especialmente óbvios dois aspectos: a recusa de toda a hipótese não originada na observação, e a pretensão de descobrir as leis da própria realidade a partir da experimentação. Tal pretensão funda-se numa concepção rigorosamente determinista dos fenómenos naturais. A reiteração de um resultado experimental serve de legitimação definitiva de uma lei (estabelecimento das leis por indução). É, aliás, a lei que mais importa a Comte, permitindo mesmo que não mais sejam feitas observações no âmbito a que a lei se refere. De facto, Comte parece temer que elas sejam feitas: “as leis naturais, verdadeiro objecto das nossas investigações, não poderiam permanecer rigorosamente compatíveis, em nenhum caso, com uma investigação demasiado minuciosa”; pelo que reduz a exactidão requerida às nossas necessidades práticas. É o que se poderia chamar uma certeza à força.
O positivismo lógico ou empirismo lógico (círculo de Viena, sobretudo nos anos 20 – Carnap, Neurath, Hahn) é, em muitos aspectos, completamente diferente do positivismo de Comte – porém, os traços fundamentais da epistemologia positivista do sec. XIX mantêm-se: recusa de toda a metafísica ou especulação; redução aos enunciados de observações; comprovação das hipóteses pela experimentação. Porém, seguindo assumidamente David Hume, o positivismo lógico admite que as leis sejam apenas prováveis – o que não impede que sejam consideradas comprovadas ou verificadas, pois tal probabilidade é suficiente para o trabalho científico (o que é, afinal, uma nova versão do dogmatismo comtiano antes ilustrado).

Crítica popperiana ao positivismo

Três aspectos se destacam na crítica de Karl Popper (1902-1994) ao positivismo.
Primeiro, Popper sublinha a irrelevância da questão da origem da hipótese para a ciência. Para que uma hipótese seja considerada como científica, deve-se sujeitar à experimentação. Mesmo que uma hipótese tenha uma origem considerada pouco respeitável, por exemplo, a teoria das marés de origem astrológica, não deve, por isso, ser rejeitada pela ciência. Tal rejeição sem experimentação só pode ser prejudicial à própria ciência, nem lhe permitindo encontrar eventuais respostas correctas, nem lhe permitindo evoluir pela demonstração do erro. Para além de promover a mentira, a exigência positivista não só é preconceituosa, como limita a imaginação e a criatividade dos cientistas, impedindo-os de descobrir novas respostas.
Segundo, Popper mostra que a pretensão positivista de verificar a hipótese através do teste é ilógica. O teste experimental não pode comprovar um enunciado universal. A única coisa que pode comprovar é a refutação do enunciado universal. Trata-se de uma mera aplicação da lei das subalternas do quadrado aristotélico da oposição: da verdade de uma particular nada se pode concluir quanto à universal; mas da falsidade da particular, pode-se concluir a falsidade da universal.
Terceiro, Popper defende que o confirmacionismo positivista é dogmático. Se se procura apenas aquilo que comprova a teoria, tende-se a não procurar o que a pode refutar: age-se como advogado de defesa da sua hipótese. Além disso, não se fornece com tal confirmacionismo, ao contrário do pretendido pelo positivismo, um verdadeiro critério de demarcação entre a ciência e a pseudo-ciência. Qualquer pseudo-ciência é capaz de reunir comprovações empíricas das suas previsões. De facto, qualquer teoria de senso comum consegue fazer isso. O que provavelmente não conseguem, em muitos casos, é dizer claramente em que casos seriam as suas teorias refutadas.
Dos dois últimos aspectos resulta que não faz sentido para Popper falar de provas ou de leis na ciência empírica. Tal vocabulário advém dos dogmatismos positivistas e congéneres. Pode-se considerar uma hipótese atestada, visto ter passado por verdadeiros testes, nunca como comprovada, visto mesmo inúmeros testes particulares nunca poderem comprovar uma hipótese universal.

O critério popperiano de demarcação – A teoria da falsificabilidade

Segundo Popper, uma teoria, para que se possa considerar uma teoria da ciência empírica, deverá ser capaz de enunciar os casos em que, se fossem verificados, seria refutada. Se o objectivo da ciência é a busca da verdade, deverá, em vez de impor (como se fosse uma religião) aquilo que diz como verdade definitiva, testar rigorosamente as suas teorias em busca de falhas, tentando aproximar-se cada vez mais da correspondência exacta à realidade, nunca, porém, se podendo ter a certeza de a ter atingido.
Exemplificando o modelo proposto por Popper, para que a proposição “Todos os cisnes são brancos” possa ser aceite na ciência empírica, deve ser capaz de formular os enunciados básicos potencialmente falsificadores, ou seja, os possíveis factos que, caso se verificassem, refutariam a proposição, enunciados semelhantes a esta forma: “Foi visto um cisne da cor x (laranja, azul, verde, rosa, preto, etc.) no lugar y e no tempo z.” Caso se verifique um só caso bem atestado que corresponda à forma acima exposta, a proposição é refutada. Por exemplo, eu tive a oportunidade de ver várias vezes, há uns anos, dois cisnes pretos no centro do Barreiro. Logo, a proposição está refutada. Se fizermos uma nova proposição, “Todos os cisnes são brancos ou pretos”, ela deve-se sujeitar, de novo, à falsificabilidade, mantendo-se sempre provisoriamente aceite enquanto não se registe nenhum caso falsificador. Mesmo que víssemos todos os cisnes do mundo, nunca se poderia considerar a proposição confirmada, pois no futuro poderia sempre surgir um cisne de outra cor.

Exemplo de teoria pseudo-científica ou ideológica

Popper entende por ideologia uma crença dogmática que rejeita, à partida, qualquer possibilidade de refutação empírica. Se tal ideologia pretende ser uma ciência empírica, trata-se de uma pseudo-ciência. Em contraposição ao exemplo do cumprimento do critério de falsificabilidade (a não ser que se defenda que os cisnes são brancos por definição), pode-se dar o seguinte exemplo adaptado de Popper. Tomemos a seguinte proposição, mais ou menos afirmada em muitas correntes das ciências sociais e humanas, assim como da filosofia especulativa (onde pode ser afirmada à vontade porque a metafísica não pretende ser empírica): “Todos os actos humanos são egoístas”.
Quem afirme tal proposição, afirma-a, com certeza, com a consciência de que há pessoas que dedicam a sua vida a ajudar os outros. O que está implícito em tal proposição é que qualquer acto altruísta é feito por uma intenção egoísta (ir para o paraíso, auto-satisfação, fama, etc.). Porém, é fácil ver que se poderia dizer o mesmo de qualquer acto imaginável por mais incrível que fosse – o que quer dizer que, com tal argumentação, não existe à partida qualquer possibilidade de refutação empírica da proposição. Não existe verdadeira possibilidade de testar a proposição, pelo que a proposição não se pode considerar científica empírica. A mesma linha argumentativa segue Popper para rejeitar, por exemplo, a psicanálise como ciência empírica. A mesma crítica é dirigida ao marxismo, embora com uma argumentação diferente, assente mais na sua tendência confirmacionista.