29.5.09

12.5.09

A noção de pré-ciência

A abordagem de T. S. Kuhn da história da ciência tem um forte pendor sociológico. Daí que, segundo Kuhn, só se possa falar de ciência quando exista uma comunidade científica formada por um modelo conceptual, lógico, metodológico, técnico e filosófico, comum. A noção de pré-ciência refere-se às fases pré-paradigmáticas em que uma área de investigação ou se restringe à recensão de factos ainda não explicados (por muito rigorosa que seja a constatação desses factos), ou em que se multiplicam as explicações, normalmente pouco fundamentadas, sem que haja qualquer consenso na comunidade que as considera. Esta fase pré-científica carece, por falta de paradigma, de organização, quer da recensão dos factos (parecendo todos igualmente importantes, ou restringindo-se apenas por questões de acessibilidade), quer da investigação, quer dos pressupostos filosóficos, quer do aparelho conceptual, quer das metodologias, quer das técnicas, etc.
Actualmente, parecem ter um estatuto claramente pré-científico, por exemplo, as pesquisas sobre fenómenos paranormais, onde nem sequer teorias suficientemente consistentes se conhecem, mas poder-se-á perguntar se não se mantém nessa situação também boa parte das ciências sociais e humanas, apesar de a estas já ser reconhecido um estatuto académico. De facto, nestas últimas, parecem existir paradigmas que constituem comunidades científicas que desenvolvem a sua investigação e o seu trabalho académico. Porém, não existe um só paradigma por área de investigação, provocando uma concorrência entre teorias onde tudo se discute sem possibilidade de entendimento (como é comum entre paradigmas), visto cada qual avaliar a outra teoria segundo os seus próprios critérios. O que acontece nas ciências sociais e humanas parece corresponder mais a um período de crise científica ainda antes de se ter alcançado um paradigma consensual. O próprio Kuhn se interroga a este propósito: “poder-nos-emos perguntar quais os ramos das ciências sociais que já encontraram tais paradigmas”; e, em sentido contrário, mas concordante, mais adiante: “Em certos sectores das ciências sociais, é bem possível que essa evolução esteja a ocorrer actualmente”, referindo-se à evolução dos livros para os artigos especializados, sintomática da instauração de um paradigma (The structure of scientific revolutions, I, trad da trad. fr. Laure Meyer). A este último propósito, o seguinte trecho é esclarecedor: “Apenas nos primeiros estádios do desenvolvimento das ciências, anteriores ao paradigma, é que o livro possui, regularmente, o carácter de realização profissional que conserva ainda noutros géneros de criação. E é somente nos domínios onde o livro (...) continua a ser um meio de comunicação para a investigação, que as exigências da profissionalização são suficientemente vagas para que o profano possa esperar pôr-se ao corrente do progresso, lendo os textos originais dos especialistas.” (idem) A partir da instauração do paradigma, a comunicação torna-se esotérica e explicitamente destinada unicamente aos colegas da comunidade científica, os únicos, aliás, capazes de entender os problemas crípticos a que se dedicam.
Regressando ao problema inicial, não se deve confundir o período pré-científico com o período de revolução científica. No segundo, muito embora não haja momentaneamente um paradigma dominante, existe uma comunidade científica que se formou no paradigma anterior e que acabou por se cindir entre os partidários do modelo conservador e os do novo modelo. Também não se deve confundir a pré-ciência com a pseudo-ciência. As pseudo-ciências podem até possuir um paradigma consensual (não se confundindo, assim, com pré-ciências), mas não se sujeitam ao trabalho empírico que, mesmo em Kuhn, é condição de cientificidade. Daí que, por exemplo, Kuhn considere que os astrónomos podem aprender com os seus erros, ao passo que os astrólogos não.

O critério popperiano de demarcação – A teoria da falsificabilidade

Por solicitação de alguns alunos, aqui vai um pequeno apontamento que resume a abordagem do assunto correspondente na aula:

Segundo Popper, uma teoria, para que se possa considerar uma teoria da ciência empírica, deverá ser capaz de enunciar os casos em que, se fossem verificados, seria refutada. Se o objectivo da ciência é a busca da verdade, deverá, em vez de impor (como se fosse uma religião) aquilo que diz como verdade definitiva, testar rigorosamente as suas teorias em busca de falhas, tentando aproximar-se cada vez mais da correspondência exacta à realidade, nunca, porém, se podendo ter a certeza de a ter atingido.
Exemplificando o modelo proposto por Popper, para que a proposição “Todos os cisnes são brancos” possa ser aceite na ciência empírica, deve ser capaz de formular os enunciados básicos potencialmente falsificadores, ou seja, os possíveis factos que, caso se verificassem, refutariam a proposição, enunciados semelhantes a esta forma: “Foi visto um cisne da cor x (laranja, azul, verde, rosa, preto, etc.) no lugar y e no tempo z.” Caso se verifique um só caso bem atestado que corresponda à forma acima exposta, a proposição é refutada. Por exemplo, eu tive a oportunidade de ver várias vezes, há uns anos, dois cisnes pretos no centro do Barreiro. Logo, a proposição está refutada. Se fizermos uma nova proposição, “Todos os cisnes são brancos ou pretos”, ela deve-se sujeitar, de novo, à falsificabilidade, mantendo-se sempre provisoriamente aceite enquanto não se registe nenhum caso falsificador. Mesmo que víssemos todos os cisnes do mundo, nunca se poderia considerar a proposição confirmada, pois no futuro poderia sempre surgir um cisne de outra cor.