3.1.10

A fera amansada

No dia 5 de Setembro de 2009, transmitido pela RTP, realizou-se o massacre de Jerónimo de Sousa por José Sócrates. Infelizmente, não se tratou apenas de Sócrates, com as suas capacidades retóricas, ter superado Jerónimo. No próprio capítulo das falácias, foi Jerónimo quem pior se portou e, mais tristemente ainda, com falácias especialmente ineficazes, claramente introduzidas para ultrapassar a falta de ânimo e de argumentos. Não é que Sócrates não tenha também cometido das suas, mas fê-lo de forma muito mais eficaz e até o deixou de fazer quando se apercebeu que Jerónimo estava derrotado para lá de qualquer esperança. Por exemplo, a meio do debate, Sócrates utilizou de forma falaciosa a luta dos professores relativa às aulas de substituição, mas a verificação do carácter falacioso dessa declaração só poderia ser feita fora do discurso, conhecendo o que, de facto, estava em causa nessa altura, conhecimento vedado à generalidade da população. Referiu-se à greve aos exames desta forma: “Acha razoável que por causa de uma medida de aulas de substituição, tivesse havido uma greve aos exames? Pois eu não acho.” Ora, as aulas de substituição estavam há muito consagradas na lei, mas nessa lei, bem ou mal, o antigo estatuto da carreira docente, essas aulas eram consideradas trabalho extraordinário. Aliás, o governo havia revisto esse estatuto (que também havia sido, originalmente, aprovado pelo PS) no Verão anterior e, logo um mês e meio depois, já estava a desrespeitá-lo, recusando-se a pagar o que estava previsto na lei por eles próprios promulgada. De facto, apesar das decisões em contrário dos tribunais, ainda hoje não pagou nada. Foi por isso que os professores fizeram a tal greve e é especialmente grave que um governo considere que as leis só são para cumprir pelos outros e não pelo próprio governo.

Porém, o debate foi dominado pela anemia de Jerónimo de Sousa. A maior parte do tempo só conseguia responder com declarações vagas às referências concretas de Sócrates, sempre, no entanto, apelando para o real e o concreto que nunca concretizava. Outras vezes, só conseguia balbuciar que havia ainda muito por fazer frente ao rol de medidas enunciadas por Sócrates. Enfim, um espectáculo triste. Por exemplo, após as referências concretas às alterações que permitiram a extensão temporal do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego, Jerónimo de Sousa declarou: “Quando ouvimos o engenheiro Sócrates a falar de um país que eu não conheço, eu conheço outro, mais duro, mais real, com pessoas a sofrer muito, com pessoas a dirigirem-se a nós, a fazerem apelos para que isto mude.” Na sequência, apenas se refere à pobreza em geral, como se isso desmentisse as medidas enunciadas ou concretizasse alguma alternativa política.
Não foram estes, porém, os únicos recursos falaciosos. Já antes, a propósito das referências de Sócrates às diversas medidas na área da educação, incluindo a extensão do horário escolar até às 17.30 no 1º ciclo, declarou: “Algumas das medidas são discutíveis! Por exemplo, manter as crianças onze horas numa sala, considero negativo nalgumas situações. Porque é que foi esta medida? Para flexibilizar os horários dos pais e das mães, foi para que, numa situação de aperto, os pais aceitem esse espaço. A perspectiva de aumentar esse período que está proposta, isso serve os pais, não têm outra alternativa. Agora, o que nós defendemos é horários com regras.” Para se perceber a falácia, a referência à flexibilidade do horário de trabalho diz respeito ao código laboral. Ora, Jerónimo interpreta o alargamento do horário laboral como resultante da flexibilização laboral, como se antes os pais só trabalhassem até às 13.30. Mesmo que esteja a falar da proposta de extensão até às 19 h., parece óbvio que já antes os pais trabalhavam até essa hora e até chegavam mais tarde a casa.
Finalmente, ao referir-se ao caso Manuela Moura Guedes e ao procurar afastar a ideia de que estava a insinuar uma ligação entre os antigos ataques de Sócrates e a censura feita à jornalista, procurando distinguir a sua posição da direita, ao manifestar um certo escândalo perante a posição do PSD, não se conteve ao dizer: “A direita que já fez o mesmo, particularmente o PSD, quer dizer, houve um caso idêntico (referindo-se ao episódio de censura de Marcelo Rebelo de Sousa).” Como é óbvio, tratando-se de um caso atestado de interferência do governo numa estação de televisão com o objectivo de silenciar alguém, acabou por afirmar a ligação que pretendia nem sequer estar a insinuar.

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