22.11.09

Nota sobre os argumentos de autoridade

Os argumentos de autoridade têm uma história nefasta na história da filosofia e da ciência que provoca uma reacção negativa na maioria dos profissionais de filosofia que os consideram. De facto, estes argumentos foram, em diferentes épocas e diferentes contextos, utilizados para calar todo o pensamento próprio, toda a investigação inovadora, toda a criatividade e toda a autonomia. Porém, como toda a restante argumentação retórica (argumentos indutivos, analógicos e causais), estes argumentos mostram-se necessários, de forma inevitável, para a nossa vida diária. Ninguém percebe de todos os assuntos e se, relativamente a assuntos académicos, se pode fazer uma suspensão de juízo em relação a assuntos que não dominamos, na vida quotidiana é necessário tomar decisões em domínios que desconhecemos. No mínimo, é preferível, nestes casos, sustentar as nossas decisões no parecer de autoridades qualificadas do que na nossa opinião ignorante. Por exemplo, é preferível agir de acordo com o parecer das autoridades médicas no referente à gripe A, do que com base em rumores e nos nossos medos.
Quer neste contexto quotidiano, quer em contextos académicos, o cumprimento das regras enunciadas no manual diminui, consideravelmente, o risco de erro, de dogmatismo e de manipulação, mas não o anula. No domínio académico, a sustentação de uma tese apenas por referência a uma (ou muitas) autoridade é sempre inaceitável. Qualquer tese, mesmo que sustentada por autoridades, deve ser justificada por razões, mesmo que sejam as mesmas que as autoridades utilizam. Se quem defende a tese não se sente qualificado para enunciar as razões, remetendo para as autoridades na matéria, também não se devia sentir qualificado para enunciar a tese. Falar do que não se sabe, só para fazer eco das autoridades na matéria, poderá dar muito jeito a acções de propaganda, mas devia ser inaceitável em domínios académicos ou outros deles dependentes.
De qualquer forma, mesmo cumprindo as regras do manual, estes argumentos, como mostra incontáveis vezes a história da humanidade, não garantem qualquer verdade. Aparentemente, se existe consenso entre os especialistas da matéria (2ª regra), parece estar garantida uma enorme probabilidade ao argumento. Porém, se viajássemos no tempo, ao início do sec. XVI e perguntássemos a todos os especialistas de astronomia da época qual a posição da Terra no Universo, todos diriam que ela estava, mais ou menos, no centro do Universo e que o Sol orbitava circularmente em torno dela. Se viajássemos para meados do sec. XVIII, os químicos falar-nos-iam do flogisto. Se para meados do sec. XIX, os biólogos considerariam as espécies como estáticas. Mesmo no início do sec. XX, os físicos continuariam a referir-se ao espaço e ao tempo como absolutos. Ou seja, não podemos ter a mínima certeza de que o consenso científico nos garanta mais o acesso às verdades atingidas do que aos erros da época. Quanto muito, podemos aceitar que, se não somos entendidos numa matéria, temos muito menos razões para afirmar uma tese do que aqueles que toda a vida se dedicaram ao assunto.

NOTA FINAL: Este apontamento visa completar e não substituir a abordagem do manual.

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