Falácias "educativas" I
Até agora procurei evitar as falácias dos nossos políticos a respeito da crise da educação, mas como quase não se fala noutra coisa, se as não utilizo, dificilmente poderei arranjar outras. No passado dia 17 de Novembro, se não me surpreendeu a aberração legal de alterar uma lei com um despacho sob o pretexto de que se tratava de uma clarificação a propósito do Estatuto do Aluno, visto ser já uma prática corrente dos nossos políticos para se livrarem de textos legislativos incompetentes, já a desfaçatez do Sr. Albino Almeida supera tudo o que a mínima decência racional humana pode suportar. É que chamar clarificação a uma alteração que dá o dito por não dito, parece ser uma simples mentira, mas culpar as Escolas por cumprirem a lei que o próprio Sr. Albino aplaudiu entra num nível superior de desonestidade. Alegou o Sr. Albino que as Escolas, ao abrigo da sua autonomia, tinham liberdade para interpretar o Estatuto no sentido de ignorar os efeitos da não aprovação ou falta à prova de recuperação quando as faltas fossem justificadas. Aliás, alegou-o de forma insultuosa, acusando-as de “falta de capacidade” e de “necessitarem de muletas”. Em declarações às televisões, fez depender a sua interpretação do facto de se tratar de uma prova e não de um exame, como se o uso daquela palavra em vez desta não implicasse a exclusão no caso de não aprovação ou falta à prova. Como as premissas destes argumentos se encontram no próprio enunciado da lei, transcrevo em seguida os pontos relevantes do artigo 22º da Lei nº 3/2008 de 18 de Janeiro. Repare-se que, se nesse enunciado estiver dito que a não aprovação em ou a falta a essa prova de recuperação puder implicar a retenção ou exclusão, independentemente da natureza das faltas que lhe deram origem, o que o Sr. Albino está a defender é que a autonomia das escolas possa desrespeitar as leis da República e que os regulamentos das escolas possam se sobrepor aos diplomas legais. Talvez isso não seja estranho por parte de alguém que fica satisfeito por um despacho alterar uma lei...
Artigo 22.º – Efeitos das faltas: “2 — Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino básico, ou ao triplo de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos no ensino básico, no ensino secundário e no ensino recorrente, ou, tratando-se, exclusivamente, de faltas injustificadas, duas semanas no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos e níveis de ensino, deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização. 3 — Quando o aluno não obtém aprovação na prova referida no número anterior, o conselho de turma pondera a justificação ou injustificação das faltas dadas, o período lectivo e o momento em que a realização da prova ocorreu e, sendo o caso, os resultados obtidos nas restantes disciplinas, podendo determinar: a) O cumprimento de um plano de acompanhamento especial e a consequente realização de uma nova prova; b) A retenção do aluno inserido no âmbito da escolaridade obrigatória ou a frequentar o ensino básico, a qual consiste na sua manutenção, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade que frequenta; c) A exclusão do aluno que se encontre fora da escolaridade obrigatória, a qual consiste na impossibilidade de esse aluno frequentar, até ao final do ano lectivo em curso, a disciplina ou disciplinas em relação às quais não obteve aprovação na referida prova. (...) 5 — A não comparência do aluno à realização da prova de recuperação prevista no n.º 2 ou àquela a que se refere a sua alínea a) do n.º 3, quando não justificada através da forma prevista do n.º 4 do artigo 19.º, determina a sua retenção ou exclusão, nos termos e para os efeitos constantes nas alíneas b) ou c) do n.º 3.”
Quanto ao que nos interessa, parece-me que nos argumentos do Sr. Albino estão envolvidas duas falácias distintas. Eventualmente, poderá também ser detectada uma outra nas explicações do Ministério, mas está longe de ser tão evidente. De qualquer forma, a minha preferida da Ministra da Educação (embora já desactualizada) continua a ser aquela que, inúmeras vezes, foi, por ela, reiterada, desde o ano lectivo passado, como se fosse um excelente argumento, a propósito da avaliação dos professores: desmentindo que o processo fosse muito burocrático e afirmando que, entre avaliadores e avaliados, só se tinha que preencher algumas folhinhas, rejeitava a possibilidade de suspender o processo de avaliação com base no argumento de que muitos professores já haviam trabalhado durante muitos meses nesse mesmo processo. Ora, como perceber que, não sendo burocrático o processo, tantos professores tenham trabalhado nele durante muitos meses (o que é, aliás, inteiramente, verdadeiro)?
Já agora, embora já não pertença à falácia em si, não seria suposto que a única coisa em que os professores no activo deveriam passar muitos meses a trabalhar, era no seu trabalho com os alunos, e a avaliação incidir sobre esse mesmo trabalho?
Artigo 22.º – Efeitos das faltas: “2 — Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino básico, ou ao triplo de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos no ensino básico, no ensino secundário e no ensino recorrente, ou, tratando-se, exclusivamente, de faltas injustificadas, duas semanas no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos e níveis de ensino, deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização. 3 — Quando o aluno não obtém aprovação na prova referida no número anterior, o conselho de turma pondera a justificação ou injustificação das faltas dadas, o período lectivo e o momento em que a realização da prova ocorreu e, sendo o caso, os resultados obtidos nas restantes disciplinas, podendo determinar: a) O cumprimento de um plano de acompanhamento especial e a consequente realização de uma nova prova; b) A retenção do aluno inserido no âmbito da escolaridade obrigatória ou a frequentar o ensino básico, a qual consiste na sua manutenção, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade que frequenta; c) A exclusão do aluno que se encontre fora da escolaridade obrigatória, a qual consiste na impossibilidade de esse aluno frequentar, até ao final do ano lectivo em curso, a disciplina ou disciplinas em relação às quais não obteve aprovação na referida prova. (...) 5 — A não comparência do aluno à realização da prova de recuperação prevista no n.º 2 ou àquela a que se refere a sua alínea a) do n.º 3, quando não justificada através da forma prevista do n.º 4 do artigo 19.º, determina a sua retenção ou exclusão, nos termos e para os efeitos constantes nas alíneas b) ou c) do n.º 3.”
Quanto ao que nos interessa, parece-me que nos argumentos do Sr. Albino estão envolvidas duas falácias distintas. Eventualmente, poderá também ser detectada uma outra nas explicações do Ministério, mas está longe de ser tão evidente. De qualquer forma, a minha preferida da Ministra da Educação (embora já desactualizada) continua a ser aquela que, inúmeras vezes, foi, por ela, reiterada, desde o ano lectivo passado, como se fosse um excelente argumento, a propósito da avaliação dos professores: desmentindo que o processo fosse muito burocrático e afirmando que, entre avaliadores e avaliados, só se tinha que preencher algumas folhinhas, rejeitava a possibilidade de suspender o processo de avaliação com base no argumento de que muitos professores já haviam trabalhado durante muitos meses nesse mesmo processo. Ora, como perceber que, não sendo burocrático o processo, tantos professores tenham trabalhado nele durante muitos meses (o que é, aliás, inteiramente, verdadeiro)?
Já agora, embora já não pertença à falácia em si, não seria suposto que a única coisa em que os professores no activo deveriam passar muitos meses a trabalhar, era no seu trabalho com os alunos, e a avaliação incidir sobre esse mesmo trabalho?
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