11.9.09

Novo ano, novas falácias - as deduções fiscais

Já a pensar nos trabalhos de 2009/10, entre as muitas falácias com que os nossos queridos políticos nos têm brindado, tenho que referir aqui uma que excede o nível ordinário, não tanto pela falácia em si (que é relativamente usual no discurso político), mas pela campanha que sustentou, claramente alicerçada na falta de formação lógica do povo português, incluindo esses especialistas de tudo (sobretudo, dos interesses que representam) que são os comentadores. Trata-se da acusação de José Sócrates no debate com Francisco Louça (8/9/2009), de ataque da força política deste último à classe média, com base na proposta de extinção das deduções fiscais das despesas da saúde e da educação. Alegava Sócrates que isso implicaria aumentar imensamente os impostos da classe média. Por duas vezes, Louça alegou que tal proposta estava dependente da condição de tornar o acesso à saúde e à educação gratuitos, incluindo medidas para tornar os manuais gratuitos, e, em ambas as ocasiões, a condição foi ignorada, sublinhando Sócrates a medida fiscal proposta como estando escondida (!) num programa público. Ora, se a saúde e a educação fossem verdadeiramente gratuitas, que despesas é que se poderiam deduzir fiscalmente, se elas haviam sido zero? Como se teriam tirado à classe média mil milhões de euros (não sei se o número avançado por Sócrates, incluiria também os PPR ou apenas as deduções na saúde e educação), se se tivessem reduzido a nada as despesas nestes sectores? Isso só aconteceria, se se tivesse optado pelo sector privado, o que se tem mostrado necessário devido às cada vez maiores deficiências do sector público. Mas se o sector público tivesse a universalidade que já teve, porque iria o Estado estar a financiar a opção pelo privado? Ora, em todo o debate, Sócrates ignorou sempre a condição do carácter gratuito desses sectores na proposta de Louça – e podê-lo-ia não ter feito, atacando o peso financeiro extremo que constituiria, para o Estado, a Saúde inteiramente gratuita, incluindo todos os remédios, e a Educação inteiramente gratuita, incluindo todos os manuais e outro material escolar – só que isso não conseguiria atingir imediatamente o objectivo pretendido que era, claramente, o de aterrorizar a classe média.
Seria de esperar que, entre tantos comentadores, algum houvesse capaz de detectar uma falácia tão básica (que não nomeio aqui para que os alunos a possam identificar no futuro). Mas, de que me tivesse dado conta, não só nem um o fez, como a esmagadora maioria considerou que esse foi o momento decisivo em que Sócrates venceu o debate. Ora, é sabido que grande parte dos comentadores é constituída por emissários políticos dos partidos ou de outras forças com importância política (empresários, igreja, sindicatos, etc.), mas uma tal apreciação generalizada só pode ser sinal de outra coisa (eventualmente, misturada com os tais interesses): uma enorme falta de cultura lógica, quer formal, quer argumentativa, do povo português. Que uma falácia grosseira possa ser alvo de um aplauso geral, animando as hostes do aparelho socialista a usá-la cada vez mais, sem qualquer voz de protesto contra a manipulação envolvida, é algo que só pode acontecer porque a cultura e a formação do nosso país, com muita literatura, com muita poesia, é, porém, grosseiramente ilógica.

Notas: Em eventual trabalho, possuo a gravação do debate, podendo, assim, fornecer as citações exactas.
A 2ª imagem é meramente exemplificativa dos comentadores. Nem ouvi qualquer comentário nesta campanha de um dos jornalistas/comentadores representados na imagem.

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