23.9.18

Avaliação 1

     Para quem se tenha perguntado onde estava o "Avaliação 1", transcreve-se em seguida o comentário publicado no Facebook em 17 de setembro:  

     Há já um número razoável de anos, talvez vinte, lembro-me de estar numa formação onde, entre outras coisas, se tratou da avaliação. O formador era um desses exemplos acabados dessas aldrabices pedagógicas que procuram, através de uma relativização prévia, tornar tudo admissível, estratégia já tão antiga como a sofística. Os formandos, com exceção de mim próprio e de outro docente, pareciam aceitar tudo como a palavra de Deus, sem a mínima questão. Penso que o faziam sensatamente porque sempre que era questionada qualquer das suas teses vagamente anarquistas, o formador respondia de forma autoritária, sem minimamente se aperceber do caráter contraditório de tal atitude face às suas teses. Deve ser resultado de um treino especial alcançado nas ciências de educação, uma espécie de artes marciais da absurdidade retórica. Ainda recentemente tivemos um elogio de metodologias dinâmicas e um ataque cerrado às aulas tradicionais, através de uma longa peroração expositiva de mais de três horas. Mas, então, há vinte anos, estava uma destas figuras a atacar a pretensão de se avaliar uma pessoa através dos seus desempenhos. E eu, inesperadamente, vi-me a concordar com ele, tal era a evidência da absurdidade de se pretender avaliar pessoas através de desempenhos circunstanciais. Bom, não me pareceu que estivesse a dizer grande coisa, mas, mesmo assim, não podia discordar de um truísmo. Apenas fiquei mais uma vez descoroçoado por ver vários colegas embevecidos com a revelação, o que me fez ficar desconcertado com a ingenuidade alheia. Mas, de repente, percebi que, contra tudo o que eu estaria disposto a esperar, o formador estava a dizer aquilo para descredibilizar a avaliação dos desempenhos e defender a avaliação das pessoas. Ao longo dos anos, fui lendo e ouvindo a mesma aberração arbitrária reafirmada por tais sumidades e voltei a ouvi-lo no contexto atual.
     Quem no seu perfeito juízo pode pretender estar a avaliar pessoas, seja lá por que processos o faça? Como é que uma pessoa, essa entidade metafísica inefável, pode ser expressa em qualquer qualificação, seja ela de que tipo for? Que tipo de garantias de isenção pode ter uma avaliação que só pode ser uma interpretação subjetiva, no sentido mais arbitrário e abusivo que pode ter a subjetividade? Vejamos, um pouco, que é essa avaliação que só considera secundariamente os desempenhos, o que é que há nela que não é avaliação de desempenhos? Um portefólio é um desempenho que reúne desempenhos, uma intervenção oral é um desempenho, um exercício físico é um desempenho, um insulto dirigido a um colega é um desempenho, assim como um teste ou um trabalho são desempenhos. Tudo o que pode ser objeto de uma avaliação não arbitrária é um desempenho observável. Naturalmente, poder-se-á ter em conta fatores que atingem a pessoa e dos quais se tenha um conhecimento fiável, como, por exemplo, a morte de um dos pais do aluno, uma doença, etc. Mas esses fatores não são o objeto da avaliação, mas sim fatores que se devem ter em conta ao avaliar os desempenhos. De resto, é sempre com os desempenhos observáveis que lidamos, mesmo nos domínios considerados pessoais: este tenta se mostrar muito desgraçado, aquele, por introversão, tenta ocultar as desgraças por que, de facto, passa. Que resta então para lá dos desempenhos observáveis e das circunstâncias factuais apuradas? A avaliação da pessoa. Mas que pessoa é essa que está para lá dos dados observáveis? Com certeza que deve existir uma pessoa para lá do que é observável, mas que um docente tenha a presunção de a atingir poderá ser outra coisa senão uma construção subjetiva arbitrária? Pode, mas é algo ainda pior, é uma construção ideológica que se justapõe aos dados observáveis, com o objetivo de os falsificar e conseguir obter os resultados que se querem. Por mais calhamaços que façam a relativizar a avaliação para poder depois martelar à vontade os resultados, qualquer avaliação que não se cinja aos desempenhos observáveis, mesmo tendo em consideração outros fatores, é pura e simples aldrabice. Pior ainda, serve de sustentação para uma avaliação baseada nos estereótipos, preconceitos e reservas ideológicas que cada avaliador possa ter. Em última análise, essa relativização da avaliação dos desempenhos só serve para permitir que cada qual faça o que lhe apetece, sob o pretexto de estar a avaliar a pessoa. E se já vi tantos docentes e ideólogos pedagógicos a defender essa avaliação integral que transcende os desempenhos, pergunto-me porque é que não vi nenhum a defender que a avaliação dos docentes fosse uma avaliação das suas pessoas em vez do seu desempenho?

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