11.10.10

Esclarecimento da Actividade 2 de Filosofia

A actividade 2 requer, sobretudo, a interpretação do final do texto 2 de Bertrand Russell, onde este põe em confronto as figuras do pintor, do homem prático e do filósofo, a propósito do exemplo anterior da cor do tampo de uma mesa. Nesse exemplo, Russell contrapõe uma atitude inicial ingénua (“Se bem me convença de que esta mesa é toda "realmente" da mesma cor…”), a uma primeira atitude dubitativa com base na constatação de que, de facto, não está a ver uma mesa toda da mesma cor, nem tão-pouco as cores se mantêm quando ocorre uma mudança de perspectiva. No parágrafo final, ele começa por dizer que para o homem prático (o senso comum) estas distinções não importam. O homem prático, se fosse solicitado a dizer se a mesa era toda da mesma cor, diria prontamente que era; e, se se insistisse, perguntando-lhe como é que ele o sabia, diria imediatamente que era o que via. Responderia isso por duas razões: a primeira é porque considera a cor uma realidade da mesa e não da sua percepção da mesa – daí que lhe pareça mais adequada uma cor substancial, persistente, do que um conjunto de tonalidades sempre a mudar; a segunda é porque lhe parece ser a resposta mais fácil e imediata, que traz menos problemas e que despacha um assunto que não lhe interessa problematizar (se é que algum interessa).
Ora bem, a figura do pintor surge no texto exactamente para evidenciar os erros do homem prático. O pintor que pretenda reproduzir num quadro exactamente aquilo que vê de uma mesa, não poderia pintá-la toda da mesma cor. Sem sombras, sem reflexos, sem tonalidades, sem a mistura de várias as cores, o quadro seria péssimo. Desta forma, esta figura evidencia o duplo erro do homem prático: em primeiro lugar, confunde aparência com realidade – o que vê não pode ser a exacta realidade da coisa, pois isso significaria que conforme a mudança de perspectiva, imediatamente mudaria essa realidade; em segundo lugar, aquilo que diz que vê nem sequer é o que vê – o que diz que vê é o resultado da sua percepção, daquilo que interpreta automaticamente a partir daquilo que vê, e não, de facto, o que está a ver. Pelo contrário, o pintor, ao pretender captar num quadro o que vê, tem perfeita consciência de estar a captar uma aparência momentânea que nunca poderia ser a realidade da coisa em causa.
A este propósito, ainda alguém poderia dizer: “Está bem… Mas se descontarmos os reflexos e a perspectiva subjectiva, a mesa é, de facto, toda da mesma cor.” Na aula e na continuação do texto de Russell, foi sublinhado que se se tirar toda a reflexão da luz e toda a perspectiva subjectiva, não faz sentido sequer falar de cor da mesa. Não há cor que não a que resulta da própria luz e da sua reflexão. A cor varia conforme varia a fonte de luz. Da mesma forma, diferentes aparelhos perceptivos poderão ver cores diferentes na mesma situação. Daí que se considere a cor uma qualidade subjectiva, que nos diz mais acerca da forma como percebemos uma coisa, do que acerca da própria coisa.
A consciência da distinção entre aparência e realidade é fundamental para o filósofo, para que este inicie a sua investigação acerca do que é a realidade. Tendo a perspectiva do homem prático, não há qualquer investigação a fazer: basta olhar para algo, para se conhecer a coisa em questão. É verdade que parece mais próximo do filósofo do que do pintor porque quer saber o que é a realidade – mas qualquer resposta imediata lhe serve para considerar que já conhece a realidade; além disso, contradiz-se sem sequer se dar conta disso (não se dando conta que o que diz que vê, não é, afinal o que, de facto, vê). Tão-pouco se pode considerar próximo do pintor visto nem conseguir (porque não lhe convém) identificar correctamente a aparência sensível. Não pode, assim, deixar de estar longe de ambos.
Assim, concluindo, o pintor intenta captar a aparência, com perfeita consciência da sua distinção da realidade; o homem prático confunde aparência e realidade, acabando por não conseguir ter consciência nem de uma, nem de outra; o filósofo parte da distinção para tentar descobrir o que é a realidade, mesmo que acabe por nunca ter a certeza do que ela é – no fundo, também está aqui presente o velho projecto que deu origem à palavra filosofia: amor à sabedoria significa que o objectivo é sempre desejado muito embora possa nunca vir a ser alcançado.